Antes de iniciarmos a análise musical, vamos primeiramente viajar na letra e na bela melodia envolvente desta música, sob a interpretação da Maria Rita:
Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero
Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida…
© Milton Nascimento e Fernando Brant. Todos os direitos reservados.
Ao estudar a letra por meio de outras fontes, foi possível perceber que esta letra da música possui uma dualidade de interpretações, ou seja, ela possuem duas interpretações. Isso é muito interessante em um poema como este, pois um poema pode ter uma série de interpretações e sentidos, de acordo com um contexto. Um sentido muito conhecido é que a letra da música retrata dos encontros e despedidas entre os exilados dos que lutam contra o Regime Militar que perdurou no Brasil dos anos 1964 até 1985. Vale lembrar que esta mesma música foi lançada no álbum do Milton Nascimento em 1985, justamente com o fim do Regime Militar.
A outra interpretação que a música leva é a interpretação espiritual, ou seja fala de muitos conceitos estudados no espiritismo e outras filosofias e doutrinas reencarnacionistas, tais como a vida após a morte, evolução, suicídio, reencarnação, entre outros. Neste texto, vamos trabalhar com as duas visões que a música oferece e proporciona. Mas posso dizer que existe outro sentido nesta música um terceiro significado. O terceiro significado representa as pessoas com qual convivemos ao longo de nossas vidas e por um acaso vamos nos encontrando e desencontrando ao longo de nossas vidas, não necessariamente as pessoas mortas, que se encontram apenas no plano espiritual. No entanto, vamos olhar o primeiro sentido, como histórico-político, o segundo sentido como espiritual e o terceiro como socioafetivo, que o conceito mais abstrato na qual vou trabalhar primeiramente.
A primeira estrofe é um desejo de saber como é a vida no outro lado, como são as coisas no mundo de lá que a pessoa vive. É uma forma de saber das notícias, conhecer o mundo onde a pessoa vive, o modo de viver e como as coisas funcionam. Também há uma forma de descobrir quem são as pessoas que aí ficam. Logo em seguida, é feito um pedido, um abraço bem apertado, e avisa que está chegando perto da pessoa amada na qual sente muita saudade e que logo está chegando para ver a pessoa para dar um belo abraço apertado na pessoa. Logo em seguida, constatamos que a pessoa tem um prazer de poder partir ao encontro de uma pessoa sem ter planos, ou seja, sem nenhuma expectativa sem ansiedade de poder ver, simplesmente melhor ainda, poder voltar quando a pessoa quer, ou seja poder ver a pessoa querida e amada quando der vontade. Por fim, resumindo tudo, a primeira estrofe trata sucintamente da saudade e do desejo da pessoa ver e encontrar o seu ente querido, ou seja, de pessoas que marcaram afetivamente na vida das pessoas.
Por fim, se analisarmos a primeira estrofe sob o prisma histórico-político, veremos que é uma forma de saber como são as coisas no mundo do exílio, ou seja, como é a vida na ditadura, retratando a saudade dos companheiros que lutaram juntos e por fim, tiveram que fugir ou serem exilados devido a perseguição política durante o regime militar. Como a música ainda retrata a o desejo de reencontro, um pedido de um abraço apertado, pois está chegando, tem um pouco a ver com a Lei da Anistia, promulgada em 1979, durante o governo do presidente João Batista Figueredo, já que a música foi publicada 6 anos depois. Como muitos estão retornando para suas casas, devido a Lei da Anistia, muitos irão reencontrar velhos companheiros de luta para receber um belo abraço apertado de reencontro.
Analisando ainda a primeira estrofe, sob o ponto de vista espiritual, seria uma forma de saber dos mentores espirituais, como é a vida no lado de lá, seria mais ou menos descritos no livro Nosso Lar, psicografado por Chico Xavier, ditado pelo espírito André Luiz. Sobre um afago apertado de que está chegando, é o desejo de que logo veremos em breve e ainda assim, seremos bem recebidos no lado de lá, quando praticarmos as boas obras. Ainda sob esta ótica, quando dizemos que gostamos de partir sem ter planos, significa que não esperamos ter planos de encontrar logo, deixando tudo na vontade de Deus, pois ele é o planejador de toda a nossa vida. E sobre voltar quando quer, está relacionado aos espíritos mais evoluídos, que não tem mais necessidade de se reencarnarem no mundo de provas e expiações, mas decidiram retornar para auxiliar no desenvolvimento moral do mundo.
Passando para a segunda estrofe, veremos a rotina de como ocorre ao longo da vida, quando todos os dias, ocorre o vai e vem da estação, parodiada como a própria vida. A vida se repete na estação, pois é o chamado para o recomeço de uma nova vida. Existem pessoas que chegam para ficar, pessoas que não irão sair da plataforma, ou seja, a pessoa ficará pra sempre na plataforma. Existem pessoas que vão pra nunca mais, ou seja, partem sem nunca mais retornarem, onde as saudades serão eternas. Existem pessoas que vem e querem voltar, ou seja, não se sentem bem no local onde se encontram, pois passam a ser estorvo no meio. Existem pessoas que vão e querem voltar, ou seja, existe um certo apego, como existem pessoas que querem apenas olhar, não querem participar de nada, querem apenas estar lá, sem serem percebidos. Existem pessoas a sorrir e a chorar, ou seja pessoas que choram ou sorriem, quando partem ou chegam na estação.
Partindo para o contexto histórico-político na segunda estrofe, veremos que existia uma rotina muito grande de pessoas que partem e voltam durante a ditadura, onde a rotina é muito repetitiva e o sofrimento e luta é enorme. Pessoas que chegam para ficar na luta pelo companheirismo e não querem desistir, ou seja, querem lutar até a morte pela democracia, existem pessoas que querem sair do Brasil, para nunca mais voltarem, pessoas que vem para luta, mas não querem levar até o fim, querem logo desistir. Relata pessoas que vão embora, ou seja, presos e/ou exilados políticos mas querem ainda lutar pela democracia, pessoas que querem apenas assistir, não querendo participar, pessoas que vão sorrir e chorar, seja pelo governo, seja pela luta.
Na visão espiritual, não vemos muito de diferente quanto as outras visões mostradas. Todos os dias tem um vai e vem, ou seja, todos os dias, pessoas nascem e morrem. A vida se repete na estação, ou seja, a pessoa sempre vai poder se reencarnar até chegar ao nível evolutivo suficiente. Existem pessoas que chegam pra ficar, que são pessoas que tem um apego material muito grande. Pessoas que vão embora para nunca mais voltar, ou seja, pessoas que evoluíram e irão para mundos superiores. Existem pessoas que vem e querem voltar, ou seja, pessoas que estão inconformadas com a vida e já pensam em suicídio. Existem pessoas que vão e querem ficar, ou seja, pessoas que desencarnadas, ainda estão apegados aos bens materiais. Existem pessoas que querem só olhar, pessoas que preferem apenas viver e deixar o tempo passar, não fazer nada para crescer e evoluir.
Sobre pessoas a sorrir e a chorar, veremos o caso em que pessoas choram ao nascer, mas quem espera, aqui na vida, está muito contente e feliz, enquanto na morte, a pessoa pode estar muito feliz, por estar livre de todas as provações e expiações, mas seus entes queridos estão tristes. É comum ver também que na vida, é possível sorrir e chorar ao longo de nossas vidas, enquanto estamos na plataforma da estação. Ao final de tudo, veremos que a segunda estrofe é a explicação do processo de encontros e despedidas, que denota o título do poema.
E assim chegaremos a terceira e última estrofe, onde as pessoas chegam e partem, dois lados de uma mesma viagem. Ou seja, tanto a chegada e a partida fazem parte da mesma viagem, uma viagem em que não importa o que faremos na plataforma, pois sempre iremos e voltaremos ao longo de nossas vidas. O trem que chega é o mesmo da partida, ou seja, não é necessariamente o trem que leva a pessoa, pois lembrando que o trem é o que leva as pessoas para a partida. Não se trata de um meio de transporte em si, mas de um fator que faz as pessoas se aproximarem ou se afastarem. A hora do encontro também é de despedida, ou seja, ele se despede de quem está no mundo de lá para encontrar quem está na plataforma da estação. E a própria música já explica: a plataforma da estação é a vida.
Não importa se o trem seja o regime militar ou a própria vontade de Deus, que mostra as sucessivas reencarnações. A hora do encontro também é de despedida, seja entre as pessoas que foram exiladas da ditadura, e forma anistiadas em seguida, seja também de pessoas que despedem do mundo espiritual que se despedem de lá, se preparando para a reencarnação, onde as pessoas esperam com alegria. O mesmo ocorre quando as pessoas se despedem deste mundo, e recebem com a alegria, do mundo de lá.
Por fim, eu não me importaria se a música é uma explicação dos sentimentos que ocorreram durante a lutas na ditadura, ou então uma sucessão de encarnações que podem ser ditados no meio espiritual, a gente pode entender que a vida, representada pela plataforma da estação, é uma feita de sucessivos encontros e despedidas, o constante vai e vem que ocorre todos os dias, todas as horas e a todo o momento. A mensagem que esta música passa é pra mostrar que nada é eterno, nem mesmo as pessoas com qual convivemos. O sentimento, quando verdadeiro, pode sim ser eterno, mas não as pessoas. Um dia elas podem nos despedir de nós, seja por bem ou por mal, seja pelos compromissos durante a vida ou até quando a pessoa parte para o plano espiritual.